Tentações, canções e eleições 

Queridos amigos, desta vez escrevo sobre a Quaresma e o nosso combate espiritual, sobre o Encontro Vicarial de Jovens e sobre as eleições legislativas que se aproximam. 

Neste mês, depois das animadas festas de Carnaval (e dos meus anos: cada vez gosto mais de fazer anos e agradeço a amizade de tantos!), entrámos no tempo da Quaresma com a celebração de Quarta-Feira de Cinzas. Assim iniciámos estes 40 dias, «tempo favorável» para pararmos e irmos ao deserto. Este deserto invoca a memória do percurso do povo de Israel, que atravessou o deserto durante 40 anos, conduzidos por Moisés, na sequência do êxodo da escravidão do Egipto, em busca da desejada liberdade. Esse caminho foi a primeira Páscoa – palavra hebraica que significa “passagem” – e ainda é festa celebrada anualmente pelos judeus, como sinal da Primeira Aliança de Deus com o Seu Povo. Porém, o deserto quaresmal invoca também o próprio Jesus, que rezou e jejuou durante 40 dias naquele lugar ermo perto de Jericó, para assim Se preparar para a Sua missão pública e para a Sua Páscoa, estabelecendo depois a Nova e Eterna Aliança de Deus com todos nós. 

Hoje, para cada um de nós, o deserto é espaço e tempo de revisão de vida e oportunidade para uma verdadeira conversão. Para assinalar esse tempo penitencial, impus as cinzas a quantos participaram na celebração da Missa de 4ª Feira de Cinzas, fazendo um sinal da cruz bem marcado na testa, de tal forma que fosse visível no resto do dia. No final da Missa das 19h, a menina Diana, com o atrevimento dos seus 5 anos, veio ter comigo porque “queria muito ter a cruz na testa”. Então lá lhe impus as cinzas na sacristia e logo ela correu até um espelho para ver como estavam as suas cinzas e o seu sinal da cruz na testa. Ficou orgulhosa por estar como os crescidos, assim identificada pela cruz! De facto, essa celebração lembrou-me como a nossa caminhada penitencial não se faz individualmente apenas, mas em comunidade, como Povo de Deus a caminho.   

Ainda a este propósito, recordo bem ter peregrinado à Terra Santa com as nossas paróquias da Ericeira e Carvoeira em fevereiro de 2018 e de termos estado no mesmo deserto onde Jesus foi por três vezes tentado pelo diabo. Na altura, sugeri que cada peregrino fosse até ao deserto ali sozinho rezar as suas tentações a partir do relato evangélico das tentações de Jesus (que ouvimos sempre no 1º Domingo da Quaresma), procurando aprender com Ele a superá-las e vencê-las. Fui também rezar durante 45 minutos, gritando ali no deserto as respostas de Jesus ao inimigo tentador: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus»; «Não tentarás o Senhor teu Deus»; «Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto». Quando voltei, tão consolado, dei com os nossos peregrinos distraídos nas compras de bugigangas ali no meio do deserto e sorri pensando como realmente somos tentados, seduzidos e enganados ainda tantas vezes pela esperteza do inimigo, que nos quer prender e afastar de Deus. 

De facto, é importante tomar consciência de que todos somos pecadores e a Quaresma vem lembrar-nos que esta é ocasião de conversão e de luta. Na Páscoa da morte e ressurreição de Jesus está a razão da nossa esperança da vitória e da verdadeira liberdade. Porém, só pode ser curado quem primeiro humildemente se assume doente e recorre aos tradicionais meios de tratamento que Jesus nos oferece neste tempo: jejum (renúncia de si mesmo), esmola (caridade com o próximo) e oração (onde se inclui também os sacramentos). Precisamos de vencer a tentação da corrupção, reconhecendo que esta acontece (não apenas na classe política, mas no coração de cada um), quando usamos um poder, um talento, um bem ou um cargo em benefício e interesse pessoal. Diante esta tentação egocêntrica, o jejum é bom antídoto, descentrando-nos de nós próprios e abrindo espaço a Deus e aos outros. Também precisamos de vencer a tentação da auto-suficiência da riqueza e da vaidade, em que pomos muitas vezes a nossa esperança, esquecendo que o dinheiro e a fama também hão de passar e são efémeros. Aí é bom fazer propósito de esmola ou caridade neste tempo de Quaresma, crescendo em generosidade e compromisso com o próximo. Dar esmola de dinheiro ou do nosso tempo para servir faz bem ao próximo e faz ainda melhor a quem dá! Precisamos ainda de vencer a tentação do desespero e da incredulidade, quando pomos em causa a bondade de Deus e fazemos depender a nossa fé de certas condições (como se fosse razoável fazer chantagem com Deus e dizer “acredito se”) e intervenções providenciais espetaculares. Venceremos se recorrermos mais à oração simples e aprendermos a aceitar a Sua vontade e a deixá-Lo conduzir-nos, porque Deus é Deus. 

No Encontro Vicarial de Jovens do nosso concelho de Mafra, que teve lugar na Achada entre 16 e 18 fevereiro, rezámos precisamente estas tentações e a urgência de uma decisão de regresso a casa, como o filho pródigo da parábola, que confiou na misericórdia do Pai. Muitas vezes cantámos alegremente o hino do EVJ (inspirado na Canção do Engate, de António Variações) e o refrão: «Vem que o amor não é perfeito, podes sempre voltar atrás. Vem pr’a casa de qualquer jeito, o Pai perdoa, abraço dás». Entre testemunhos, canções, refeições em casa de famílias e jogos, o momento mais marcante para tantos jovens foi precisamente a vigília de Adoração e Confissões durante a noite de sábado. Cada vez mais me convenço de que é isto que temos de dar aos jovens e a todos: a possibilidade de um encontro cara-a-cara com o Amor de Deus, ali na Hóstia Consagrada e no sacramento da Confissão. 

Termino com uma referência às eleições legislativas antecipadas, marcadas para dia 10 março. Também o nosso país precisa de conversão, de uma decisão e de um rumo, promovendo uma reconciliação entre e com a classe política dirigente e reassumindo cada um a sua própria responsabilidade pessoal e um renovado compromisso político (não necessariamente partidário), conforme o apelo do Papa Francisco, na encíclica Fratelli Tutti. Como indica a recente nota da Conferência Episcopal Portuguesa, «votar, de forma esclarecida e em consciência, é uma responsabilidade que decorre da vivência concreta da nossa fé no meio do mundo.» Não cabe aqui expressar a minha orientação de voto, mas recordar finalmente este trecho da nota da CEP: «quatro princípios a presidir à decisão do voto: toda a vida humana tem igual valor; o bem tem de ser de todos e de cada um sem ser ditadura da maioria; a casa comum é para cuidar; nem Estado centralizador, nem Estado mínimo.» 

Para o próximo mês, se Deus quiser, darei um relato da peregrinação paroquial à Bélgica, Alemanha e Áustria. Rezaremos por todos, rezem por nós. E reservem na agenda a tarde de 24 março para a Procissão do Senhor dos Passos aqui na Ericeira. Votos de Santa Quaresma! 

Um abraço amigo do padre Tiago