Peregrinos de Esperança
24 de janeiro de 2025

Queridos amigos, 

No meio da Missão País aqui na Carvoeira, entre um salto para as festas abençoadas de S. Sebastião e S. Vicente (pouco claro e pouco quente, este ano!), arranjo uns minutos para acabar de escrever este texto sobre o Jubileu da Esperança. 

Já estamos a celebrar o Jubileu 2025! Depois do Jubileu extraordinário da Misericórdia, convocado também pelo Papa Francisco em 2015-16, retomamos o ciclo ordinário de Jubileus, de 25 em 25 anos. Em que consiste esta celebração do Jubileu? Antes de mais, está assente na longa tradição bíblica do Povo de Israel. De cinquenta em cinquenta anos, através do toque da tal trombeta (na verdade, era um chifre de carneiro ou outro animal, usado como instrumento de sopro e designado em hebraico yobel, a que se associou depois a palavra jubilum em latim), havia o convite a um grande perdão, apagando as dívidas, promovendo a reconciliação, libertando os presos, dando descanso à terra cultivada: «No dia do grande Perdão (chamado Yom Kippur), fareis ressoar o som da trombeta através de toda a vossa terra. Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na vossa terra a liberdade de todos os que a habitam. Este ano será para vós um Jubileu; cada um de vós voltará à sua propriedade, e à sua família.» (cf. Lv 25, 9-10). 

No final do século XIII, o desejo de celebrar um Jubileu era sustentado não só pela referida tradição bíblica, mas também pela consciência dolorosa dos pecados e pelo receio do fim dos tempos e do Juízo Final de Deus. Uma forte corrente teológica apocalíptica daquela época influenciava toda a cultura e a sociedade, tendo como grande exemplo a obra Divina Comédia de Dante Alighieri. O povo cristão começou a peregrinar até Roma, em busca de um grande perdão, pedindo a indulgência. Foi assim que o Papa Bonifácio VIII convocou esse primeiro Ano Santo em 1300: um Ano especial, de Graça, no qual a Misericórdia de Deus se estendeu a milhares e milhares de peregrinos cristãos, que quiseram ir até Roma, apesar das circunstâncias tão adversas. 

Passados estes anos, no meio de tantos e graves conflitos espalhados pelo mundo – a III Guerra Mundial, como muitos dizem – o Papa Francisco convoca agora este Ano Santo, pedindo a toda a Igreja para que se deixe renovar na Esperança, partindo em peregrinação até Roma ou até algum Santuário Jubilar a nível local (o Santuário de Nossa Senhora do Socorro, no caso da nossa vigararia de Mafra, aberto a 5 janeiro 2025). 

Detemo-nos agora especificamente sobre o tema deste Jubileu 2025. Será possível falar de Esperança neste contexto tão adverso? Vemos as notícias trágicas de guerras na Ucrânia, Terra Santa, Sudão, República Centro Africana, Moçambique, atentados terroristas noutros lugares, incerteza no futuro com tantos sinais de crise na habitação, no emprego, na economia estagnada, nos valores morais da sociedade, na política internacional, etc… E no entanto, o Papa insiste neste tema da Esperança porque esta virtude nos levanta e nos ajuda a caminhar! 

Vale a pena tecer algumas considerações em relação à Esperança, a partir de certos excertos da Bula Spes non confudit, pela qual o Papa Francisco convoca o Ano Santo. 

O Papa começa por afirmar como «no coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem» (Bula, 1). Para nós, cristãos, não se trata apenas de um optimismo ou de uma ideologia, mas antes de uma Pessoa: Jesus é a nossa Esperança! E esta «Esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino» (Bula, 3). Mesmo no meio das tribulações e dificuldades, não estamos sozinhos e sabemos que, na companhia de Deus, em todos os acontecimentos presentes há propósito, há caminho, há futuro. 

O Papa aponta diversos indicadores de esperança na Bula (números 7-15), convidando à atenção aos «sinais dos tempos» à nossa volta que tanto nos ensinam: a esperança da paz e da reconciliação entre povos; a esperança de cada bebé que nasce e naturalmente a traz consigo; a esperança dos presos arrependidos; a esperança dos doentes que recebem cuidado nos hospitais; a esperança dos jovens empreendedores e criativos; a esperança dos migrantes que deixam as suas terras em busca de melhores condições; a esperança dos idosos que nos ensinam a esperar ainda mais; a esperança dos pobres, que merecem o nosso amparo.  Nessa sequência, o Papa faz três apelos neste ano de Jubileu, que sejam grandes sinais de esperança para todo o mundo: que se crie um Fundo Global para acabar com a Fome; que haja um perdão das dívidas dos países mais pobres; que se concretizem as indicações do recente Sínodo (terminado em outubro de 2024) para renovar a vida comunitária da Igreja, promovendo a unidade da fé e a comunhão dos cristãos (nesse sentido, é significativa a coincidência de cristãos católicos, protestantes e ortodoxos celebrarmos todos a Páscoa na mesma data em 2025, em que passam 1700 anos do Concílio de Niceia). 

A Esperança é uma virtude teologal, juntamente com a Fé e a Caridade. São dons de Deus. Se tivéssemos de fazer um desenho muito simples destas três virtudes, poderia ser algo assim: uma seta para baixo, apontando o movimento que Jesus faz desde o Pai até ao nosso encontro e como O acolhemos na Fé pois «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós (cf. Jo 1,14); uma seta para o lado, apontando o movimento que fazemos ao encontro do próximo, a quem servimos na Caridade, como Jesus nos pede «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (cf. Jo 13,34); uma seta para cima, apontando o nosso movimento com Jesus de regresso ao Pai, indicando a meta da nossa vida, a nossa grande Esperança, que anunciamos a todos, de uma comunhão eterna e feliz em Deus, pela Sua promessa: «hei-de levar-vos para junto de Mim» (cf. Jo 14, 3). 

O Papa recorda que esta promessa é reafirmada sempre que rezamos a oração do Credo, quando dizemos «espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há-de vir». Pela Vida, Morte, Sepultura, Ressurreição e Aparição de Jesus (cf. 1Cor 15, 3-5), pelo testemunho da Igreja – dado pelos Apóstolos e por tantos santos e mártires cujas vidas nos convencem – e pelos muitos sinais presentes na nossa própria vida, então nós «temos a certeza de que a história da humanidade e a de cada um de nós não correm para uma meta sem saída nem para um abismo escuro, mas estão orientadas para o encontro com o Senhor da glória» (Bula, 19). Essa certeza cristã leva-nos a esperar mais, a superar dificuldades e temores, a viver na expetativa do regresso de Jesus ou do nosso encontro definitivo com Ele, pedindo «vem, Senhor Jesus» (cf. Ap 22,20).

Pela consciência do nosso limite pessoal, da nossa fragilidade e da proximidade da nossa morte ou da morte daqueles que amamos, há em nós uma perturbação de coração e um impulso religioso que nos leva a buscar quem nos possa salvar. Nesse sentido, os apóstolos seguiam Jesus e diziam «a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna» (cf. Jo 6,68). Não nos basta a ideia de uma felicidade de breves instantes ou a prazo, apenas para estes anos aqui na Terra. Desejamos mais, esperamos mais e choca-nos a ideia da morte. O famoso cantor António Variações até cantava «quero é viver… espero sempre um amanhã…» 

Na sabedoria popular, até dizemos que a esperança é a última a morrer! Dado que todos morremos, o Papa pergunta: «Então que será de nós, depois da morte?» (Bula, 21). A Esperança cristã diz-nos que a nossa vida não acaba aqui na Terra, apontando à realidade dos Novíssimos: Morte, Juízo, Inferno, Paraíso. Pela fé, compreendemos a morte como um remédio, um descanso e uma vocação – Jesus chama-nos e diz «vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei» (cf. Mt 11,28) – e sabemos que na hora da nossa morte teremos um juízo particular de amor: «o juízo de Deus, que é amor, só poderá basear-se no amor, especialmente naquele que tivermos, ou não, praticado para com os mais necessitados» (Bula, 22). Desse juízo de misericórdia, ao final da vida terrena, resulta a nossa livre escolha de querermos acolher inteiramente o amor de Deus no Céu, mas podemos ter necessidade de alguma purificação por algum mal cometido, daí a importância do sacramento da confissão e da obtenção da indulgência, que apaga os efeitos residuais do pecado em nós. Esta indulgência pode ser obtida em nosso próprio favor ou podemos oferecer por intenção de outra pessoa que já tenha morrido e se encontre no estado provisório do Purgatório. Porém, porque o amor pressupõe a liberdade, existe também a real possibilidade de o homem rejeitar o amor de Deus e se encerrar no Inferno: não se trata de uma condenação de Deus, que quer salvar a todos, mas de uma terrível decisão pessoal. 

Se a Igreja prega sobre estes temas, não é para nos assustar, mas para nos chamar a um exame de consciência, à conversão de vida e para nos lembrar que somos chamados a crer, adorar, esperar e amar mais neste Ano Santo. E para Deus não há portas fechadas, podemos sempre recomeçar! 

O Papa termina a Bula com o exemplo de Maria Stella Maris e com a imagem da âncora, como referencial de esperança, segurança e estabilidade no meio das tempestades. Espero que este texto vos possa ajudar a ler a Bula e a viver plenamente o Ano Santo. 

Permitam-me uma última nota: ao iniciar-se este Ano Santo, o nosso Patriarca D. Rui Valério quis promover um encontro de sacerdotes da nossa diocese. Assim pude participar nos dias 7 e 8 de janeiro na Assembleia Jubilar em Fátima. Foi uma belíssima ocasião para reencontrar tantos padres amigos, rezar juntos e renovar a alegria da vocação e entusiasmo da missão. Cada vocação consagrada é também um sinal de esperança e precisamos de rezar e pedir mais vocações na nossa paróquia neste ano de 2025! 

O texto já vai longo! Regresso agora à Missão País e conto mais na próxima edição. 

Um abraço amigo do Padre Tiago