Dr. Maggie Ciskanik
Word on fire, 5 de março de 2025 1
No início da Quaresma, mais uma vez nos é oferecida a oportunidade de encontrar a liberdade e de crescer através da prática dos três pilares Quaresmais: a oração, o jejum e a esmola. O Catecismo da Igreja Católica recorda-nos que o objetivo destas práticas é a conversão: “em relação a si mesmo, a Deus e aos outros” (1434). Não é de surpreender que os benefícios emocionais e físicos desta reorientação do espírito humano decorram sem problemas - embora não sem luta – Mas então, o que é que a ciência nos pode dizer sobre estas práticas espirituais?
Jejum
As vantagens fisiológicos e psicológicos do jejum são incontestáveis. Vários estudos examinaram os seus benefícios e mecanismos. O efeito mais conhecido é a autofagia, que consiste na degradação e reciclagem de células velhas ou doentes. O que pode reduzir inflamações e ajudar a manter a homeostase do corpo. Um estudo 2 enumerou outros benefícios impressionantes do jejum para a saúde: a promoção de mecanismos de reparação baseados no ADN, a regeneração através de células estaminais, a degradação de placas e proteínas associadas a doenças neurodegenerativas. A lista inclui também outros benefícios para o cérebro tais como: melhoria do processo cognitivo, a neurogénese (sim, podem desenvolver-se novos neurónios em certas regiões do cérebro!) e a redução de inflamações. O jejum é também proposto como parte de um plano de tratamento da obesidade, da diabetes e das doenças auto-imunes. Foi mesmo demonstrado que melhora a qualidade do sono.
Quanto aos efeitos emocionais e psicológicos do jejum, a avaliação é heterogénea. Do lado negativo salienta-se que podem ocorrer efeitos secundários desagradáveis à medida que o nosso corpo se adapta a menos comida (ou à ausência de cafeína). Podemos sentir-nos desconcentrados, mais facilmente irritados ou mesmo zangados. Habitualmente, estes efeitos passam ou diminuem com o tempo, pelo que é necessária a perseverança - outra boa virtude que devemos querer reforçar. Do lado positivo, muitas pessoas relatam obter uma maior clareza de espírito, melhor humor, uma sensação de progresso pessoal e maior capacidade de auto-controlo.
Oração
A existência de práticas religiosas e a crença no divino parecem ter acompanhado os seres humanos desde os inícios. As descobertas da neurociência moderna também indicam que o nosso cérebro parece estar programado para percecionar o transcendente.
Ao falar sobre o papel da beleza na evangelização da nossa cultura, o Bispo James Conley, de Nebraska, estabelece uma importante ligação entre a oração e o termo grego utilizado para designar os seres humanos - a palavra anthropos – que significa literalmente “aquele que olha para cima” – uma criatura que se vira para cima. Só o ser humano pode olhar para as estrelas com admiração.
Até Platão reconhece a necessidade imperiosa do homem de “olhar para cima”, elevar-nos deste mundo para a um outro, transcendente.
Há provas de que a nossa experiência do divino através da oração e da meditação é possível graças à nossa arquitetura neuronal. Parte desta arquitetura inclui a capacidade de distinguir entre a realidade, a nossa imaginação e os sonhos. O Dr. Andrew Newberg e o Dr. Eugene d Aquili expõem este tema no livro intitulado “Why God Won t Go Away: Brain Science and the Biology of Belief” onde descrevem as estruturas cerebrais, as áreas de associação e as funções analíticas do cérebro. Também realizaram estudos de neuroimagem a freiras franciscanas e monges budistas enquanto meditavam. Concluíram que a nossa experiência do divino é tão real como a nossa experiência de comer uma tarte de maçã - embora mais intensa e transformadora.
Num livro anterior intitulado “How God Changes Your Brain”, Newberg e o coautor Mark Robert Waldman descrevem como acreditar em Deus é bom para a nossa saúde mental, física e espiritual. Através de estudos de neuroimagem e inquéritos sobre várias experiências religiosas, os autores incluem uma lista de benefícios da meditação tais como: a redução do stress, a diminuição da ansiedade, da depressão e o abrandamento do processo de envelhecimento. A oração e a meditação praticadas ao longo do tempo causam mudanças estruturais reais no nosso cérebro que contribuem para a nossa capacidade de nos envolvermos no mundo de uma forma mais pacífica e aberta.
Generosidade e esmola
O efeito espiritual e emocional do jejum - que nos permite concentrarmo-nos menos em nós próprios e mais nos outros - pode ser associado ao mandamento de Jesus de amar o próximo. Mas a esmola também pode ser associada à virtude da generosidade. A iniciativa “Ciência da Generosidade”, da Universidade de Notre Dame 3 oferece a seguinte definição de generosidade: “dar coisas boas aos outros livremente e em abundância”.
Alejo José G. Sison, professor de ética empresarial na Universidade de Navarra, em Espanha, faz uma distinção entre o simples “dar” e a verdadeira generosidade: A verdadeira generosidade significa tempo, atenção e vulnerabilidade... ser generoso mesmo quando ninguém está a olhar... Essa é realmente a generosidade pessoal.
Quanto à esmola, ela está ligada a outra virtude. O Dr. Sison afirma que a virtude que está no coração de uma pessoa generosa é a caridade, que é incondicional e não espera nada em troca: “A caridade torna-se uma virtude quando brota do coração, quando se torna numa disposição habitual do carácter.
Não é preciso ir muito longe para encontrar muitos estudos que revelam os benefícios da generosidade. Num relatório gerado pelo “Greater Good Science Center “da Universidade da Califórnia, Berkeley, vários estudos foram analisados quanto aos efeitos da generosidade nos participantes. Num desses estudos, realizado a mais de 1.000 participantes, chegou-se à conclusão de que qualquer tipo de doação (tempo, esforço ou bens) contribui para aumentar de uma forma geral a saúde dos participantes, incluindo benefícios a nível da pressão arterial, da audição e da qualidade do sono.
Quer se trate de voluntariado, de cuidar de entes queridos ou de oferecer apoio emocional aos outros (não apenas aos membros da família), outros estudos mostraram a existência de correlações entre a generosidade e o aumento do bem-estar pessoal, além de um acréscimo de vitalidade e um maior sentimento de autoestima.
Uma atitude generosa para com os outros pode melhorar outros aspetos da nossa vida, seja no local de trabalho ou em casa. Se não estivermos à procura de receber o equivalente à nossa dádiva, o simples facto de dar a alguém o benefício da dúvida pode aumentar a cooperação mútua e promover relacionamentos mais fortes.
Não deixa de ser humilhante constatar, especialmente para aqueles que não são generosos por natureza, que até mesmo as crianças pequenas oferecem prontamente ajuda e recursos aos mais necessitados!
Que a sua prática dos três pilares da Quaresma lhe traga abundantes bênçãos, tanto físicas como espirituais.
Tradução livre de
Maria do Rosário H. Mckinney
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1 Título original “Studies Reveal Benefits of Prayer, Fasting, and Almsgiving”
2 Fasting: Molecular Mechanisms and Clinical Applications
Valter D Longo 1, Mark P Mattson
3 The University of Notre Dame du Lac (conhecida simplesmete por Notre Dame; é uma universidade privada, Católica, no estado da Indiana, USA.