A peregrinação e um convite atrevido

Queridos amigos, prometido é devido. Na última edição, contei que iria escrever sobre a peregrinação paroquial que realizámos no final de fevereiro e início de março e assim o faço agora. Aproveito ainda a fazer-vos um convite nas últimas linhas, para vos motivar a ler esta crónica até ao fim.    

No planeamento do ano pastoral, preparámos uma peregrinação à Terra Santa. Infelizmente, a terrível guerra que ali entretanto começou veio alterar os nossos planos e redesenhámos o percurso para uma peregrinação eucarística no centro da Europa. Começámos por visitar Bruges, onde rezámos diante da relíquia do Santíssimo Sangue de Jesus, recolhido e guardado por José de Arimateia no momento em que Jesus era descido da Cruz. Ali celebrámos Missa e repetimos várias vezes como “é bom estarmos aqui”. É muito significativo o relevo que os cristãos dão às relíquias: é que a nossa fé não é uma invenção mítica ou apenas uma proposta moral, antes assenta num conjunto de acontecimentos históricos, que culmina na Encarnação do próprio Filho de Deus. O saudoso Padre João Seabra dizia que o momento mais importante do Credo era a referência histórica a “Pôncio Pilatos”. Ao fazer-Se Homem e habitar no meio de nós, morrendo crucificado e ressuscitando ao terceiro dia, Jesus realmente esteve em lugares precisos na Terra, deixou marca e esses lugares e/ou objetos tornaram-se relíquias, sinais da presença divina, que nos confirmam na fé. Ao longo da história da Igreja, houve alguns exageros – até satirizados por Eça de Queirós no livro “A Relíquia” – mas houve também a compreensão da importância do contexto histórico como lugar concreto e tangível da revelação de Deus, como percebeu S. Helena. Porém, a nossa relíquia mais valiosa é a Eucaristia! 

Da beleza dos canais de Bruges, seguimos em direção a Lovaina, onde dormimos e celebrámos Missa na manhã seguinte, junto do túmulo de S. Damião, um extraordinário sacerdote belga do séc. XIX, que morreu na ilha de Molokai, onde serviu e celebrou a Missa durante mais de 10 anos para alimentar espiritualmente os leprosos ali desterrados, até por fim contrair lepra também. Seguimos para Beauraing e Banneux, dois lugares onde se deram aparições de Nossa Senhora do Coração de Ouro ou Nossa Senhora dos Pobres, nos anos de 1932 e 1933. É realmente surpreendente esta lógica de Deus e de Nossa Senhora, que escolhe manifestar-se em lugares inesperados e as pessoas comuns. Sublinho como a Igreja é prudente na avaliação destas aparições marianas, sendo a primeira interessada em dissipar as dúvidas quanto à credibilidade dessas revelações privadas. Também na Alemanha, visitámos ainda o pequeno santuário mariano de Heroldsbach, onde se deu um milagre do sol semelhante ao de Fátima, e o santuário de Altötting, onde vimos tantos ex votos centenários de fiéis agradecendo por graças recebidas ali por intercessão de Nossa Senhora. 

Na Alemanha, visitámos Dulmen, Einbingen e Konnersreuth, terras de três santas muito especiais: a Beata Anne Catherine Emmerich (1774-1824), a Santa Hildegarda de Bingen (1098-1179) e a Serva de Deus Therese Neumann (1898-1962). Cada uma, a seu tempo, foi marcante para testemunhar o amor de Deus. Sendo místicas, receberam de Deus extraordinários dons. A Beata Anne Catherine foi religiosa, de saúde muito frágil, que teve visões e descreveu pormenorizadamente episódios da vida de Jesus e de Maria, permitindo um conhecimento aprofundado do Evangelho. S. Hildegarda foi uma monja beneditina, destacada pela piedade e sabedoria influente em áreas tão distintas como a teologia, a música, a saúde ou a política da época. Therese Neumann é um caso de estudo: desde os 26 anos, deixou de comer, tomando apenas a Sagrada Comunhão todos os dias. A Hóstia Consagrada era o seu único alimento durante 36 anos, pesando sempre 55 kg. Foi avaliada e estudada por sacerdotes, médicos, psiquiatras e outros interessados neste mistério. Além disso, era estigmatizada, tendo as marcas da Paixão de Jesus no seu corpo e revivendo as horas da Paixão. Na sua vida, ela mostrou literalmente o alcance das palavras de Jesus: «Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo» (Jo 6, 51). Com a vida de Therese Neumann e de outros santos, compreendemos melhor este mistério da Eucaristia, onde revivemos os gestos de Jesus na Última Ceia e a Sua morte e ressurreição. Em cada Eucaristia – palavra grega que significa ação de graças – Jesus entrega-Se, dá a vida por nós e connosco ao Pai, sendo nosso alimento! 

A peregrinação passou ainda por Salzburgo, onde pudemos visitar várias cenas marcantes do meu filme preferido da infância, o clássico “Música no Coração”. Aí recordámos que “quando se fecha uma porta, Deus abre sempre uma janela” e cantámos o Dó-Re-Mi. Terminámos a peregrinação visitando a cidade de Munique apinhada de gente na rua num dia de sol radioso e lembrando na Missa final que «muito nos foi dado, muito nos será pedido»: a presença de Jesus no Santíssimo Sacramento pede a nossa adoração humilde, a conversão diária, gratidão, alegria e disponibilidade para O acolher e fazer companhia gratuitamente. Reparem que apesar da idade avançada de vários peregrinos, entre algumas trocas e confusões hilariantes, lá conseguimos não perder nenhum e trazer todos de volta… Ufa!  Muito mais haveria a contar sobre este mês – o encerramento da semana CÁRITAS, a conversa na REDE com Paulo Portas aqui no salão paroquial, a homenagem à Ti Vitória na Baleia e o animado jantar das mulheres no salão, a “roundtable” com Expats sobre a fé, a visita inter-religiosa ao colégio Miramar, a procissão das 7 dores de Nossa Senhora, etc – mas falta o espaço no jornal e falta o tempo para escrever! 

Este relato da peregrinação leva-me a olhar para os próximos dias, segundo esta chave eucarística da entrega e da gratidão: iremos começar a Semana Maior, a Semana Santa. Inicia-se com o Domingo de Ramos (24 março), onde imitamos a procissão de entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e logo nessa Missa ouvimos o Evangelho da Paixão. Nessa tarde, teremos a Procissão do Senhor dos Passos às 16h e o comovente sermão do encontro do Senhor dos Passos com a Senhora das Dores, no largo de Santa Marta. Reservem as celebrações do Tríduo Pascal: 

5ª Feira Santa – Missa de Instituição da Eucaristia e Sacerdócio e Lava-Pés às 19h (Ericeira) e 20h (N. S. do Ó, Carvoeira) e Hora Santa (até às 24h) 6ª Feira Santa – Celebração da Paixão do Senhor às 15h e Procissão do Enterro do Senhor às 21h30 (Ericeira) Sábado Santo – Dia de Silêncio e Solene Vigília Pascal às 22h (Ericeira), seguida de ceia no Salão  Domingo da Páscoa da Ressurreição – Missa às 9h (Fonte Boa dos Nabos), 10h15 (N. S. do Ó, Carvoeira), 12h (Ericeira) e 19h (Ericeira)  

Faço-vos um convite atrevido: venham a tudo, onde estiverem! Arrisquem e talvez venham a descobrir a beleza deste Tríduo Pascal. A vossa presença nestas procissões e celebrações é muito importante e desejada, ainda mais num tempo em que a Ericeira tanto cresce e precisamos de recordar a nossa identidade cristã e tradição na vila.   

Com votos de Santa Páscoa, despeço-me com um abraço amigo e cheio de esperança, Padre Tiago