«Daqui em diante serás pescador de homens»

Queridos amigos, 

Neste mês, como prometido, quero contar-vos um pouco da Missão aMar em Rabo de Peixe.  

Depois da marcante experiência do verão 2022 com a Missão Boavista em Cabo Verde, alguns dos jovens das nossas paróquias da Ericeira e Carvoeira manifestaram o desejo de voltar a partir em Missão. O casal responsável pela missão aMar – a Elsa e o Artur – incentivou esta oportunidade de servir em Rabo de Peixe, uma freguesia piscatória na ilha de S. Miguel, nos Açores. Ao longo de seis meses, tivemos preparação de “team-building” entre os 14 missionários, com a importante dimensão humana e espiritual, juntamente com a necessária angariação de fundos e reconhecimento das necessidades lá em Rabo de Peixe, para adaptarmos as nossas tarefas. Em conversa com o pároco (o P. Nuno Sousa que nos recebeu tão bem e a quem muito agradecemos!) e com outros membros da comunidade de Rabo de Peixe, definimos as nossas prioridades: fazer atividades com as crianças de ATL, servir os idosos e tentar envolver os jovens locais como missionários connosco, partilhando com eles algumas tradições nossas da Ericeira e Carvoeira, como o Terço Vivo e o Teatro, meios através dos quais “entramos” na oração e no Evangelho de Jesus. 

Partimos a 26 agosto – na noite do tremor de terra, mas não sentimos nada! – e logo que aterrámos em S. Miguel, aguardavam-nos o P. Nuno e dois colaboradores da Junta de Freguesia, que nos transportaram até às Calhetas (para deixar as malas na casa onde dormimos nesses dias) e até Rabo de Peixe. Nessa manhã fomos logo conhecer a terra e fomos muito bem recebidos pelos locais. O P. Nuno descreveu-nos um bocadinho a realidade que nos esperava. Rabo de Peixe é uma importante comunidade piscatória com cerca de 10.000 habitantes, mas enfrenta vários desafios sociais, entre o abandono escolar precoce pela vontade de trabalhar no mar e pela maternidade em idade estudantil, as situações de pobreza, os consumos de álcool e droga e uma certa reputação negativa (injustamente agravada pela série da Netflix, segundo diziam alguns moradores). Simultaneamente, tem um porto de pesca bem renovado e houve vários investimentos em infraestruturas e habitação nos bairros, mantendo uma enorme riqueza de tradições e simpática hospitalidade, com crescimento demográfico acentuado (muitas famílias numerosas onde mais velhos ajudam e cuidam dos mais novos), num lugar de uma beleza natural apaixonante. A nível religioso, o baptismo das crianças acontece quase sempre logo nos primeiros meses de vida – e eu não consegui baptizar nem uma criança, porque já estavam quase todas baptizadas – e há uma viva piedade popular (com os Romeiros, as Procissões e a devoção ao Divino Espírito Santo) e muitas crianças inscritas na Catequese paroquial. Por outro lado, há um certo sincretismo religioso (muitas casas tinham registos do Santo Cristo ou Nossa Senhora ou outros santos, mas também algum buda, que eu convidava a retirar!) e dificuldade de manter os jovens na comunidade paroquial, entre outras notas comuns a tantas paróquias.

Nessa primeira manhã conhecemos logo o Fábio, juntamente com o irmão e a mãe. Começámos a conversa no meio da rua e ele lá nos contou como era famoso por ali, porque tinha sido jogador de futebol do Santa Clara mas a tentação das malditas drogas acabou por o afastar aos 19 anos de uma carreira tão promissora. Com alguma lata, perguntei-lhe: «Há quanto tempo não te confessas? E se fosse agora?». Ele olhou para a mãe e a mãe olhou para nós muito espantada. E lá veio a resposta: «Não me confesso há muito tempo, desde pequeno. Pode ser agora!». Com a mãe comovida, o Fábio continuou a caminhar comigo, confessou-se – e que grande alegria! – e depois conversámos longamente pelas ruas, enquanto todos o saudavam e ele ia apresentando cada pessoa e cada lugar. Nessas duas semanas de missão, o dia-a-dia era preenchido. Após a oração da manhã e o pequeno-almoço apressado, seguimos sempre de autocarro até Rabo de Peixe, onde logo começávamos a missão: entre conversas no bairro, visitas porta-a-porta, trabalho comunitário (pintura da parede do salão) e visitas ao lar, confissões, direção espiritual e Missa diária (onde tivemos a Primeira Comunhão de uma das nossas jovens missionárias!), preparámos um Terço vivo nocturno e uma peça de teatro com as crianças no salão paroquial para apresentar à comunidade. 

Para a peça de teatro, começámos por escolher o papel de cada um dos missionários e de cada criança, a partir de divertidos jogos em forma de casting que detetavam os talentos e gostos: assim se definiu que uns seriam actores, outros iriam cantar e escrever as músicas, outros dançariam e outros ficariam com a responsabilidade dos cenários e decoração. A peça de teatro, escrita a várias mãos pelo nosso grupo, tinha profunda relação com a realidade piscatória e com o tema da nossa missão. Inspirámo-nos na cena do capítulo V do Evangelho de S. Lucas, em que os pescadores, depois de uma noite de fracasso, são incentivados por Jesus a lançar novamente as redes, apanhando muito peixe. Nessa altura, Simão Pedro recebe a missão de se tornar “pescador de homens”. 

Vale a pena resumir a peça brevemente. Tinha cinco cenas, com vários géneros, entre comédia, musical, drama, romance e ação. Começava com uma discussão entre os pescadores sobre quem teria culpa para não terem apanhado nada. Uns insinuavam que era por causa dos supostos tubarões do mar da Galileia e outros, indignados, acusavam o rei Herodes de dar pouco do prometido e merecido apoio aos pescadores. A cena acabava com os cânticos inventados «pescadores, unidos, jamais serão vencidos» e «pescadores são uns amores, vão ao mar trazer jantar». A segunda cena incluía as meninas varinas, desesperadas por nada terem para vender num dia em que Cafarnaum estava repleta de gente, ali disposta para ouvir Jesus a pregar. Essa cena terminava com uma música nova inventada e cantada pelas crianças e com coreografia ensaiada. A terceira cena começava com o Tomé a ler uma mensagem de amor, presente numa garrafa encontrada no meio das redes. A mensagem fazia alusão a uma dança no barco e ao amor de um casal desconhecido, havendo então uma dança ao som da música icónica do filme Titanic (nesta cena romântica as mães na plateia choravam!). A cena seguinte começava com o pedido de Jesus para os pescadores se fazerem novamente ao largo e então deu-se o milagre da grande pescaria, tão bem representada pelo entusiasmo das crianças a gritar «puxa aí», «tanto peixe» e «isto é milagre» e dezenas de peixes de cartão a surgir nas redes! A última cena foi a conversa final de Jesus com Simão Pedro, exortando-o: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». E com canas de pesca e redes, logo os pequenos pescadores-apóstolos começaram a pescar toda a gente para o palco para cantar o hino da missão.  

Nesses dias ainda rezámos um emocionante Terço vivo à noite, com o desenho de um grande peixe iluminado com velas no chão, junto a uma imagem de Nossa Senhora. Nessa noite, ao terminar, entre cânticos de «Boa noite Maria, boa noite minha Mãe», com todos os presentes dentro do desenho de luz daquele peixe, lembrámos a vocação de Nossa Senhora como a primeira «pescadora de homens», a Senhora da Boa Viagem, Padroeira dos pescadores de homens, sempre junto a Jesus e aos apóstolos nessa missão.  

Houve muitas aventuras mais! Regressei a 1 setembro, tendo os jovens permanecido até dia 7, para mais quatro dias de missão e depois um merecido descanso e passeio pela ilha. Termino com esta nota: a Igreja é, por natureza, missionária, isto é, mandatada pelo Senhor para esta missão de evangelizar, servindo e partilhando com todos a boa notícia de que Jesus está vivo e presente no meio de nós. A nossa fé cristã não é apenas algo que diga respeito a mim individualmente, mas compromete-me com todos os outros. Esse anúncio é convincente pelas nossas obras de misericórdia e pela nossa alegria, porque mais do que as palavras, «só o amor e a alegria são dignos de fé». Esse desejo levou tantos missionários portugueses a arriscar partir além-mar desde o séc. XVI. Agora é a nossa vez e partilho convosco como fico tão orgulhoso pela missão dos nossos jovens e pelo entusiasmo e generosidade com que quiseram dar do seu tempo para servir lá nos Açores. Obrigado, queridos jovens! Obrigado, queridos Elsa e Artur! Obrigado, Rabo de Peixe! Obrigado, meu Deus!  

O texto já vai longo e temos de concluir. Estamos quase a começar o novo ano pastoral 2024/25: aproveito a convidar todos os leitores a vir ao Parque de Santa Marta no próximo dia 5 outubro, durante a tarde, com animação, lanche, Missa campal e surpresas. Aí saberão o lema e os planos para o próximo ano. Contamos convosco! 

Um abraço amigo do padre Tiago 

P.S. – Na noite de 13 setembro, tivemos uma grandiosa Noite de Fados na Casa da Cultura, com ilustres guitarristas e fadistas apelando à angariação de fundos e voluntários para o FAROL, grupo de voluntariado das nossas paróquias. Com a ajuda preciosa do José Manuel Neto, entre os fadistas, participaram o Camané (grande surpresa) e a nossa querida Isabel Oliveira, editora deste jornal e que tanto contribuiu com a impressão de cartazes, bilhetes e divulgação. A todos muito obrigado! Queremos mais noites assim!