Queridos amigos,
Neste mês de novembro, começo por partilhar convosco a alegria de uma nova encíclica do Papa Francisco, publicada na última semana de outubro: Dilexit nos, sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus. Na sequência desta Encíclica, contar-vos-ei a peregrinação realizada pelas famílias da Catequese da nossa Paróquia até ao Cristo-Rei no dia 16 novembro e a celebração do Dia Mundial dos Pobres. Finalmente, farei uma breve referência ao Sínodo sobre a Sinodalidade, que terminou no final de outubro e gerou ampla repercussão na comunicação social.
Apenas no séc. XVII se difundiu a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a partir das visões místicas de Santa Margarida Maria Alacoque, monja do Convento da Visitação em Paray-le-Monial (França), cujo confessor era o padre jesuíta São Cláudio la Colombière. Foi a ele que Santa Margarida Maria contou as visões do Coração de Jesus entre 1673 e 1675: um coração em chamas de amor e coroado de espinhos, do qual saía sangue e emergia a cruz. Acompanhando essas visões, Santa Margarida Maria ouviu a voz de Jesus, que lhe disse: «Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-Se e consumir-Se, para manifestar-lhes o seu amor. E como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, desprezos, irreverências, sacrilégios, friezas que têm para comigo neste Sacramento de amor».
Serão precisamente Santa Margarida Maria e São Cláudio la Colombière os grandes promotores da devoção ao Sagrado Coração desde então. Nos 350 anos destas visões, celebramos o Jubileu do Sagrado Coração de Jesus – e por isso iremos em peregrinação com a Paróquia até Paray-le-Monial em abril de 2025 – e o Papa Francisco quis oferecer uma encíclica que nos recorda como Deus tem Sagrado Coração e nós cabemos nele!
No primeiro capítulo, o Papa destaca a importância do coração e faz o diagnóstico da velocidade acelerada do nosso tempo, convidando-nos a voltar ao coração: «Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas. Movemo-nos, porém, em sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que a interioridade exige. Na sociedade atual, o ser humano «corre o perigo de se desorientar do centro de si mesmo». «O homem contemporâneo encontra-se com frequência transtornado, dividido, quase privado de um princípio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir. Modelos de comportamento infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica ou, ao contrário, a instintiva». Falta o coração.» (Encíclica Dilexit nos, capítulo I, 9).
De facto, recuperar a interioridade do coração é essencial para uma plena experiência de fé cristã. A nossa fé não é simples adesão ou assentimento meramente racional a um conjunto de verdades religiosas acerca de Deus e do homem, mas quer ser encarnada na vida de cada fiel e nas suas obras. Se é certo que há momentos de aridez na vida espiritual e não podemos ficar reféns dos sentimentos e das consolações, mas prosseguir caminho com fidelidade mesmo aí, é certo também que a fé cristã é uma experiência sensível e gozosa do amor de Deus, que tem um “coração misericordioso” (cf. Lc 1,78). Há um encontro do nosso coração, arrebatado pelo coração de Jesus e por todos os Seus gestos (cf. Dilexit nos, capítulo II, 47). Essa experiência amorosa de Deus pode acontecer na oração ou nos sacramentos, em momentos de contemplação, de imensa alegria ou de dolorosa dificuldade e marca o encontro com Jesus vivo e ressuscitado. Dizia o Papa Bento XVI: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (Deus caritas est, 1). O encontro de coração a coração dá-nos esse horizonte da Pessoa inteira de Jesus (cf. Dilexit nos, capítulo III, 54) e a confiança na Sua Misericórdia leva-nos a reconhecer a necessidade e a desejar a conversão de vida (cf. Dilexit nos, capítulo III, 90). No capítulo IV, o Papa apresenta a riquíssima espiritualidade de vários santos devotos do Sagrado Coração de Jesus ao longo da história da Igreja e no capítulo V refere-se especificamente à mensagem de Santa Margarida Maria Alacoque e ao desejo de lhe «pagar amor por amor» (Encíclica Dilexit nos, 166). Vale muito a pena ler esta encíclica!
Motivados ainda mais por esta encíclica, fomos até ao Cristo Rei em peregrinação paroquial, com 125 peregrinos, entre crianças, seus familiares e catequistas. Durante a manhã, com ajuda de alguns fazendo de conta de médicos cardiologistas, auscultámos o coração de cada criança e adulto, para identificar os problemas cardíacos a precisar de reparação. Há por aí à nossa volta muitos corações demasiado distraídos e indiferentes, magoados ou tristes, talvez com raiva, paralisados com medo, com alguma inveja ou simplesmente cansados de tanta exigência. Para cada problema identificado, convidámos todos os peregrinos pequeninos e crescidos a percorrer diferentes postos para buscar a cura do coração: ora pelo jogo da empatia e da atenção ao que falta ao outro, ora pela alegria dos jogos de música, ora pelas histórias libertadoras de perdão dado e recebido. Houve ainda um posto com partilha intergeracional de histórias de superação de medos e coragem e um jogo convidando à contemplação e descoberta da auto-estima que vem do amor de Deus. Finalmente, o último exercício, mas não menos importante, era a oração que descansa verdadeiramente o nosso coração. Com estas propostas e um almoço pic-nic partilhado, seguimos depois caminho até ao Cristo-Rei, onde subimos lá acima para abraçar Jesus e o Seu Coração, assim O podendo ver melhor e celebrando já cá em baixo a Missa de encerramento da caminhada.
No domingo, dia 17 de novembro, celebrámos o VIII Dia Mundial dos Pobres e o sétimo aniversário do FAROL. Com voluntários, parceiros benfeitores (Câmara, Junta de Freguesia, Santa Casa da Misericórdia da Ericeira, Condignitatis, Irmãs Servas de Nossa Senhora de Fátima, entre outros) e paroquianos interessados, festejámos com bolo de anos e com uma conferência na igreja da Misericórdia, a partir da Mensagem do Papa Francisco para esse dia, contando com dois ilustres comentadores: o cardeal Dom Manuel Clemente, Patriarca emérito de Lisboa, e a Dra. Manuela Ferreira Leite, antiga Ministra das Finanças e da Educação. Com o exemplo dos pobres e da santa Madre Teresa de Calcutá, pobre missionária da caridade que serviu os moribundos abandonados na rua, aprendemos a disponibilidade dos corações despojados que nos ensinam a rezar e a servir, capazes de contemplar e testemunhar o milagre da multiplicação que Deus sempre opera. Porém, compreendemos como não basta a necessária resposta assistencialista imediata, mas precisamos de identificar as causas da pobreza e intervir aí, sendo necessário incentivar a iniciativa privada e a criação de riqueza justa que fomenta a prosperidade! Como ouvimos nessa tarde, com bom humor, urge também a criação de um Dia Mundial dos Ricos, que generosamente arriscam e colocam a sua riqueza ao serviço do bem comum! Além disso, há outro enorme desafio: passar de distribuir o pão da terra aos mendigos e sem-abrigo para nos tornarmos verdadeiramente seus amigos e os acolhermos como irmãos na Igreja, para partilharmos o Pão do Céu na Eucaristia.
Por fim, uma palavra sobre o Sínodo da Sinodalidade, que reuniu em Roma tantos bispos, religiosos, leigos e leigas nesta última sessão em outubro de 2024. A Igreja é «semper reformanda», como lembrava o Concíclio Vaticano II: «a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação» (cf. Lumen Gentium, 8). Com esta consciência de sermos pecadores e frágeis e de querermos dar resposta aos desafios contemporâneos e evangelizar no século XXI, na Igreja Católica sempre procuramos ouvir a voz de Deus e buscamos fidelidade à Sua vontade de mudança: como dizia Chesterton, porém, «não queremos uma Igreja que mude com o mundo, mas uma Igreja que mude o mundo». Não queremos uma Igreja que diga o que é popular agora para conquistar mais adeptos, mas uma Igreja que nos cativa porque nos anuncia o que é verdadeiro sempre e está profundamente implicado na nossa vida. Essa necessária mudança na Igreja, refletida neste sínodo, traduziu-se em novidades para a vida comunitária, nomeadamente ao nível da transparência financeira, corresponsabilização e envolvimento maior dos leigos e leigas, mas mantendo a doutrina e a moral católica.
O texto já vai longo e já é tarde. Termino aqui, desejando a todos um bom tempo de Advento rumo ao Natal!
Se Deus quiser, em dezembro há muito mais para contar.
Um abraço amigo do padre Tiago
PS – este mês tivemos também a solenidade de Todos os Santos, com muitos jovens dos Campos de Férias Católicos a rezar durante toda a noite na igreja de S. Domingos (Lisboa). E tivemos vários Magustos, festejando S. Martinho na Ericeira e na Carvoeira, com teatro e animação (obrigado aos nossos queridos catequistas!). E recebemos 400 escuteiros do Oeste no encontro de Guias cá na Ericeira (obrigado aos nossos queridos dirigentes do 679!). Que o exemplo da grandeza de coração dos Santos nos inspire a ter mais coração uns com os outros e a encontrar caminhos de paz!