Jesus, Centro da História
Enquanto nos preparamos para celebrar a Natal do Senhor, convém meditar sobre o significado do nascimento de Cristo. Para isso, gostaria de fazer uma reflexão sobre Jesus como centro da história. Por "centro da história", é claro que não quero dizer que ele é o centro temporal, como se tivesse nascido exatamente no meio da linha do tempo do universo. Pelo contrário, quero dizer que Cristo é o ponto de viragem da história no que diz respeito à salvação, demarcando uma fronteira fundamental entre o que é antes e o que é depois da sua vinda ao mundo. Esta verdade já se reflete na maneira habitual de dividir o tempo em A.C. (Antes de Cristo) e A.D. (Anno Domini, "o ano de Nosso Senhor"). Mas gostaria de detalhar um pouco mais esta questão.
É claro que, para discutir um "centro", é preciso ter alguma noção do que está de ambos os lados. Ora, é preciso dizer que, como Deus, a pessoa de Jesus, que é Deus Filho, é também o princípio e o fim (meta) da história, o Alfa e o Ómega. A respeito de sua posição como Alfa, lemos no Evangelho de João: "Todas as coisas surgiram por meio dEle" (João 1:3). Toda a Trindade, é claro, criou o mundo. Mas há um sentido em que o mundo foi criado através da Palavra, o Logos, como o Deus-Filho é referido no prólogo do Evangelho de João. Deste modo, a criação nasce do ato de Deus de lhe querer dar a existência. Há um certo movimento vindo de Deus. Tradicionalmente, isso tem sido referido na teologia como o “exitus” da criação (procede de Deus). Mas Deus criou-a para oferecer à criação uma participação na sua própria vida divina. A humanidade, criada à imagem e semelhança de Deus, é capaz de conhecer e amar - e, portanto, de entrar em união com Deus. O sentido da existência humana é precisamente conhecer e amar a Deus neste mundo e estar com Ele para sempre no próximo, como diz o famoso Catecismo de Baltimore. Assim, o proceder de Deus existe em prol do retorno a Deus, o que tradicionalmente tem sido chamado de «reditus»: o ser (humano) reconduzido, de volta, à fonte de onde veio. Em suma, há um duplo movimento da criação: ela procede de Deus e é ordenada a voltar para Deus.
O sentido da existência humana é precisamente conhecer e amar a Deus neste mundo e estar com Ele para sempre no próximo.
Através do pecado, no entanto, o sentido da criação foi interrompido. Em vez da união com Deus, a divisão entrou no mundo. A humanidade foi separada de Deus, e as pessoas foram separadas umas das outras. Para que o objetivo da criação se tornasse alcançável, a fenda entre Deus e a humanidade tinha de ser reparada.
Para este fim, Deus uniu a humanidade de volta a si através da Encarnação do Verbo. A pessoa (do Deus Filho) é plenamente divina desde toda a eternidade e, através da Encarnação, tornou-se também plenamente humana. Ele é consubstancial ao Pai na sua divindade e consubstancial a nós na sua humanidade. Através da graça da união hipostática (a unidade das duas naturezas numa só pessoa), toda a vida humana de Jesus - desde o nascimento, passando pela morte, até à sua gloriosa ressurreição e ascensão ao Céu, torna-se eficaz para a nossa própria recreação.
Os nossos pecados podem ser perdoados, as nossas almas desordenadas podem ser curadas, e assim podemos ser salvos da morte eterna e, finalmente, chegar à bem-aventurança eterna no Céu, onde estaremos íntima e completamente unidos a Deus, conhecendo-O ao vê-Lo face a face. Cristo é Aquele por meio do qual vem esta salvação. Jesus Cristo, portanto, inaugura a mudança de trajetória da história. Sem Cristo, a humanidade estava fadada à condenação. Através de Cristo, podemos voltar a Deus. A direção da nossa viagem, pode, por assim dizer, ser invertida: da separação de Deus para a união eterna com Deus. No início da sua carreira académica, Joseph Ratzinger (Papa Emérito Bento XVI) refletiu sobre este facto: «Toda a realidade é levada no grande movimento circular, que procede de Deus, e através de Cristo, o ponto de viragem do mundo, tudo é novamente 'conduzido' de volta a Deus." Enquanto Papa, ele reiterou esta verdade, refletindo sobre a obra de São Boaventura: "Para São Boaventura, Cristo já não era o fim da história... mas sim o seu centro; a história não termina com Cristo, mas começa um novo período".
Em conclusão, como uma das três Pessoas divinas da Santíssima Trindade, Deus Filho, o Verbo Eterno é o princípio (origem) e o fim (meta) da história. Na sua Humanidade, Ele tornou-se também o centro da história como o Salvador do mundo, pondo fim à nossa separação de Deus e inaugurando o nosso regresso a Deus. Por isso, Jesus também deve ser o centro de nossas vidas. Com efeito, é a união com Ele que se realiza a nossa união com Deus e se determina o nosso destino eterno. Enquanto nos preparamos para celebrar a Solenidade do Nascimento de Nosso Senhor, não esqueçamos o que é verdadeiramente o Natal. Porque o presente que nos é dado através do nascimento do Menino Jesus é mais precioso, mais digno da nossa gratidão, do que qualquer outra dádiva que possamos receber. E teve um custo muito mais alto do que o mais caro dos presentes terrestres. Custou a morte de Deus Encarnado na cruz, uma morte que Ele sofreu, voluntária e amorosamente, para que pudéssemos ter vida e tê-la mais abundantemente (ver João 10:10).
Que todos tenham um Natal muito abençoado, com Cristo como centro.
Este artigo foi originalmente publicado no dia 23 de dezembro de 2022 em Evangelization & Culture Online, site do Bispo Barron.
Tradução livre de Maria do Rosário HG Mc kinney